Tuesday, July 31, 2007

suma patológica


deu-nos vontade de ir ler o ludwig wittgenstein segundo a tradução do M. S. Lourenço que adorava a vulgata e julgamos que a tradução para português do Ferreira de Almeida - as traduções das bíblias não estruturaram as falas das linguas latinas directamente, mas foram-se inclinando lentamente sobre a lingua palrada até esta ficar depurada pelo fantasma da prosa de S. Jerónimo - adaptações mútuas do palrado ao traduzinte


lê-se no prefácio do tradutor uma sugestão bela e quase epidémica, mas não é epidémica porque é demoradamente viral, como o sugeria o velho Bourroughs no livro com o Daniel Odier, The Job (a linguagem é essencialmente um virus), mas, diziamos, fala Lourenço do que é conclusivo em Wittgenstein quanto às hipóteses de tradução:


Como os problemas filosóficos são patologias que ocorrem no interior de jogos da linguagem dados, a tradução filosófica executa a transferência destas patologias de uma lingua para a outra. Eo ipso fica também demonstrado que um problema filosófico não é um problema de uma lingua dada, mas antes um problema comum a um certo número de linguas. Fica assim constituída na lingua para a qual se traduz a possibilidade de encontrar as mesmas possibilidades que se descobriram na lingua original.


é um belo acontecimento, esta infiltração patológica das traduções filosóficas nas nossas vidas, aos bocadinhos, aos poucos e poucos, com patologias a chocarem com outras patologias, e ao contrário da ideia de autênticidade, a gerarem cada vez mais demências mascarantes


não partilhamos, pesem as fidelidades tradutórias, o optimismo de que possamos comungar (e o termo religioso é justo aqui) com o mesmo ânimo e sabor os mesmos problemas - as mudanças virais ocorrem na adaptação do vocabulário a outras linguas, e essas pequenas mudanças são decisivas de um modo precisamente ao oposto ao papagueado pela hermeneutica heideggeriana - desidealize-se definitivamente a fidelidade a um sentido original, caso esse sentido exista em falsa integridade


desconfiamos, nestes jogos a muitos e muitas de muitas linguagens, do que é alguém quereria dizer com alguma coisa - sabemos que pretendia tentar dizer alguma coisa, entre o ambiguo e o preciso, e é nesta inquietação intermitente que murmuramos as nossas filosofias a fazerem-se pessoais, jogadas, com bluffs e sem bluffs


para quem gosta de se emaranhar nestes assuntos pode linkar para a amostrazinha do diccionário dos termos filosóficos intraduzeis :http://robert.bvdep.com/public/vep/accueil.html com a consciencia enxuta de que muita coisa se traduz viralmente, mas não virilmente (pois também terá o leitor de traduzir à sua maneira o seu francês na sua carne)


pensamos assim como quem metaforiza e quer ir a algum sítio que a vida se vai enovelando em sumas patologias - queria o filósofo austriaco cuidar da linguagem, e «desonevelá-la», mas a filosofia telenovela-se, pelo menos nestes medias de agora, telemáticos ou telepáticos, e é neste sentido que o fulgor da filosofia acaba quase sempre por regressar ao fulgor novelesco, mesmo quando o romanesco já foi alvo de tantos convincentes epitáfios

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