Monday, July 30, 2007

a ameaça da madrasta


Dão-nos a honra de manequim

para dar corda à nossa ausência.

Dão-nos um prémio de ser assim

sem pecado e sem inocência.


escreve a natália correia


Como se quem tivesse partido não fossem os homens, mas algo de essencial com eles, esse objecto primitivo feito em seguida objecto patriótico. Como se a percepção inicial do pai real, o pai da estrutura, fosse a de um objecto perdido com o qual não temos relação, desde sempre e definitivamente Outro. Como se essa percepção da perda desse 'intimo-estranho', das Unheimlich que caracteriza para os humanos o pai real, fosse duplicado pela ausência física e simbólica do pai. E não restasse senão um pai imaginário e todo poderoso.


escreve a maria belo


mas ficaram-nos os padrastos e os padrinhos e pior que a ausência dos pais é a ameaça pelas mães da hipóteses das madrastas - esta figura mitológica não é só daqui, do imaginário lusitano, mas é a consequência de uma ausência que regressa em força com o mal. As madrastas dos mitos já crescem em casa com a etiqueta da humilhação, as madrastas portuguesas estão por aí à espera (ou pior, ao lado, para sempre), e o terror eminente do masdrastado constroi, como suplemento, essa ambivalência do pai que retorna como um Ulisses trazendo consigo a Calipso, para ficar escondido mais perto, protegido dos filhos, na fama-infâmia de um lar de terror e do ressentimento materno a construir-nos já ressentidas


essas madrastas misturam-se com a mãe, e a mãe é amadrastada, o que nos despeja renovadamente para um pai que também não nos quer assim assumidamente, se calhar quer às escondidas, caso regresse, ou caso regressado nos tenha trocado, a nós filhas-um-bocado-mãe pela «outra», o que é um pesadelo mais complexo que a orfandade real


damos assim corda às nossas ausências, no natalício dizer, sem pecados e sem inocências, com muitas desculpas para termos desculpas, extremando-nos a colocar molas na roupa com as cores da roupa, maníacas da lexívia perfumada e do ajax limpa-vidros, da camisa bem engomada e de outras tolices domésticas


a americanização estará a mudar estes hábitos centenários? outras culpabilidades sem culpabilidades nos minarão como sempre, substituindo a ausência pelo trabalho - mulheres machando-se falsamente emancipadas, numa solidão sem pais nem filhos e muitas plásticas

No comments: