Monday, April 22, 2013

O BANHO, UMA EXPOSIÇÃO DE PEDRO PROENÇA NA SALA DO VEADO


Entrevista de Sóniantónia a Pedro Proença a propósito de o Banho na sala do Veado





Porquê o Banho?

Saiu-me à última da hora, mas é mesmo isso. Associação de ideias. Sala do veado lembrou-me o Acteon, e o banho de Diana. É um statment de quem quer fazer uma lavagem e pôr a vida a limpo. Há aqui um regresso, criticável, se quiseres, aos desenhos que fazia no final dos anos 80 e inícios dos anos 90. Instalações com coisas enormes. Quiz fazer desenhos dos bons, numa espécie de súmula, principalmente o desenho de 10 metros. E sobretudo quiz fazer uma coisa que se adequasse à sala, como um templo. É uma resposta de amigo, por exemplo, à recente exposição do Rui Chafes. Aqui também há uma meditação sobre a mortalidade, mas a mortalidade para mim faz parte do lado fremente da vida, sem sublimações, algo que condimenta e intensifica os actos. 


A arte tem alguma coisa a ver com esse apetite?

Emagreci bastante o último ano. Esta exposição abriu-me o apetite. Quando pinto ou desenho, que são actividades tradicionais, o apetite aumenta extraordináriamente. Não é uma constatação teórica, mas uma experiência por vezes dolorosa. Acho que é uma coisa que acontece em quem pinta muito. Fome, anseadade. Há o mito artistico do Picasso, esse machão machista, que quando escrevia falava muito de comida, sexo, cores. Julgo que tem a ver com a velocidade. As "ganas" estão presentes na história da pintura, desde queo esta se tornou de mais rápida execução, com o Ticiano, o Tintoretto, o Veronese. Não sei se é uma coisa machista, esta aceleração do metabolismo vindo da pintura. Acho que as mulheres que pintam sentem o mesmo.



Também lá tens pendurados uns panos com um ar construtivista


São coisas "infraístas", que foi uma teoria em que parti do Malevitch e dos diagramas tantricos para justificar desenhos, pinturas e esculturas com um ar abstracto, coisas que faço desde que comecei a pintar. Fiz uma exposição infraísta na Madeira aqui há uns anos, mais conscientemente infraísta. Chamava-se naughty abstractions ou algo assim. São imagens alegres, lúdicas, libidinosas, e que se articulam com a natureza como canalizadoras de fluxos de ewnergias. Incluem a "angst" como resposta a esta, mas dão largas a outras emoções de uma forma muito espontânea. É como se a experiência do extase fosse algo muito fácil. Acho que os grandes temas da abstracção estão ímplicitos e transformados nelas. Porém estes panos, especificamente, são peças que incluem coisas muito autobiográficas, como se uma vida secreta estivesse subjacente a esta displicência. Há uma vontade de ir para a praia, de se deitar em lençois com cores quentes, de mergulhar. Mas no final parecem coisas de um altar, algo sagradas, acho eu. A autobiografia é perfeitamente conciliável com aquela palavra pretenciosa que supõe a abstracção, que é o "absoluto".



E também tens uns livros com Metamanifestos...

A minha ideia era imprimi-los em grande e encher uma parede. As paredes desta sala são muito difíceis de expor porque são duras e repulsivas. Optei por dividir os metamanifestos em dois livros, como se fossem leituras  pseudo-religiosas que acompanham o ambiente da exposição. São metamorfoses de manifestos que escrevi entre 83 e 88, mas a maioria são textos  de 84 e 86, os tais manifestos homeostéticos. Não tinha consciência de ter escrito tantos manifestos na altura. Eu sou um maníaco de manifestos, que é uma forma de escrita propagandistica em que há uma espécie de paródia dos 10 mandamentos misturados com um tom apocaliptico e messianico. Os metamanifestos são uma forma muito livre, quase romanesca, desconversante que dispara em várias direcções, por vezes contraditórias. São respostas à crise dos finais dos anos 70 e inícios dos 80, reactualizados nesta crise maior em que vivemos. Escrevi-os há dois anos, de jacto. E paginei-os com fontes exclusivamente da minha autoria, porque andei uma série de anos a fazer fontes como um maluquinho. Aquilo já era uma doença. Acabam por ter um lado político e explicitam a pulsão do movimento homeostético, que no fundo é aquilo que sobrou do lado espontaneo do 25 de Abril, isto é, uma vontade de mais liberdade, de estar embriegado, nem que seja de clichês, de poder dizer disparates, de desconversar com os amigos, de rir despejadamente, sem fardas. Um grande desejo de fazer coisas maiores que nós, também com os outros. Mas ao mesmo tempo uma distância critíca quanto às forças da "legitimação", mesmo quando essa legitimação se auto-proclama "revolucionária".




Já agora, por curiosidade, os homeostéticos não desprezavam as raparigas?


Isso é um disparate. Nós eramos um grupo de amigos do mesmo ano nas Belas-Artes a que se juntou o Xana. No Xana há um divertido discurso transexualizante. Na altura havia um grupo de mulheres muito fortes uns anos à frente, que fizeram a primeira exposição de grupo importante nos anos 80, organizada pela Sílvia Chicó, os "Talentos Emergentes".  Alguns de nós tiveram namoradas que pintavam, mas havia situações conflituosas e os trabalhos delas ainda eram muito verdes. Além de que metade do tempo o "movimento homeostético" esteve moribundo. Em 1986 há uma estranha e rápida ressurreição. As vidas de cada um dos homeostéticos é que falam por eles. Essa ideia provoca-me uma extrema irritação porque cresci num meio feminista e estou e sempre estive afectivamente e na prática diária desse lado, sem clichés.



Andaste entretanto a fazer "critica de arte", porque é que te deu para isso?


Andei a escrever sobre exposições e gostaria de escrever mais porque sinto que o olhar do artista é mais interessado e concreto do que o dos tipos que têm que escrever "ene" caracteres para o diário ou o semanário e vivem disso e têm contas a ajustar e interesses a defender.  E também porque falta um grande feed-back aos artistas que, narcisistas ou não, acabam sempre por se sentirem carentes e incompreendidos, como toda a gente, se calhar, mas sentem-no agudamente. É uma curiosidade que me enriquece e que espero que produza uma vontade de fazer coisas mais nesses artistas, porque neste silêncio tão tradicionalmente português a não recepção, pior do que a censura, funciona como uma asfixia.