Monday, August 28, 2006

dissimular os passados?


Dissimular o passado é distorcer o presente para sempre.O problema da mentira é que faz com que se perca a confiança se esta é desmascarada. A questão ética deste verão é o passado de Gunther Grass - dissimular o passado continuamente e ser aclamado e galardoado por essa consistente dissimulação. Depressa percebemos que a sua obra não é inocente na estratégia da ocultação de um suposto engano, de uma aposta errada na hora errada. Mas a experiencia do disfarce é também uma autopunição. A inocência nunca é inocência mas é fruto da tirania das circunstâncias. São as circunstâncias que nos condenam antes do puré ético fazer das suas, mesmo com o melhor molho filosófico. As escolhas que fazemos são quase sempre erradas. Algumas saiem certas. Outras muito incertas. A confissão de Gunther foi assim feita ao longo dos seus livros, sejam bons ou maus (nunca o lemos!). Porque é nalguns momentos que dissimulamos que somos mais sinceros subterraneamente, arriscando perder a confiança de quase todos para sempre. Mas nem todas as mentiras são deliciosas ou reveladoras. Só o são quando as revelações que apascentam são brutais.O que é que achas disto Sónia?

egoísmo retributivo


Dizia o Almada Negreiros que «o amigo é o egoísta máximo da retribuição mútua». A frase não é fácil e levanta questões. A mais difícil é a seguinte - há mesmo retribuições? Ou o que vai aí é transação, metamorfose, etc., num fluír indestinado. Acreditar em retribuições é imaginar que há uma ordem, dentro ou fora da amizade e do amor, e que essa ordem é a modos que proporcional, medindo afectos, redistribuindo os diversos pesos dos actos, regulando secretamente um pouco de tudo. Não sabemos se há tal ordem. Mas o estado distributivo de que fala Almada é algo espontâneo. É um tu cá tu lá efevrescente que extraí o prazer de cada um se mostrar máximamente inteiro. Essa experiência é dada a todos, mas é mais intensa na partilha dos fluxos criativos. E os mais fortes parece que vêm dos intestinos ainda mais do que do coração. O amor é supostamente um pouco mais acima da amizade e supõe um aparato carnal mesmo quando este não é usado. Os cépticos dirão, quase como o Almada, que o amor senão de si, é um perpétuo desencontro com o outro. Mas o encontro com os outros é mesmo esse desencontro. É nos desencontros que nos encontramos a nós e aos outros. E pelos mesmos motivos uma relação é um amealhar de desencontros e desentendimentos - uns felizes e outros muito nem por isso. O problema é que a efeverescencia amorosa nos puxa para o absoluto e muitas vezes para a morte, para uma espécie de fusão abismal que distingue o amor da coexistência menos atribulado com os amigos. E é aí que o equívoco se torna tão doloroso quanto excitante. E se não tivermos esperanças cor-de-rosa e outros idealismos de cabeceira que propagandeiam o amor podemos disfrutar desses momentos ácidos sem andar para aí em trolitadas inuteis o tempo todo. Não é queridas e queridos?

o segredo está na excelência da sorte



o segredo está na excelência da sorte, que é como quem diz, fica cá dentro connosco como uma revelação ou uma ralação

calha faltar sorte e o segredo vai à vida

o amor dito platónico é um segredo forte e por isso inibe e desgraça as acções - adorável timidez feita para adorar ilusões

o libertino tem os pés mais assentes na consistência das ilusões e aqté pode ser mais feliz porque saboreia as presas

Saturday, August 26, 2006

Vasco & Vasco


O Vasco Pulido Valente, o homem mais malcriado que jamais conhecemos, publicou no domingo passado uma coluninha sobre a geração de 60. Eu (Sandra) sou filha da geração de 60. E eu (Sónia) sou filha da geração de 70, a do companheiro Vasco (Gonçalves). Escrevia o Valente Vasco a propósito do Bill Clinton e dos 60 anos dos baby boomers. A Sandra conheceu toda essa geração (a nossa) que passou do catolicismo liberal (e tão puro) para uma doce popização com Orientalismo ao fundo (a Beatlomania, derivados, sucedâneos e sucessores). Consigo imaginar o Vasco Pulido Valente a ouvir Lucy in the Sky With Diamonds e beijando a Maria Cabral, a actriz-promessa dessa geração. Era bem gira a Maria Cabral. E simpática. Voltei a vê-la em Paris, já com outros olhos passeando com um filho oriental num local onde «a terra os há-de comer» em 1985 (no Pêre-Lachaise). Nada de cinemas e muita mediatação.

Não sei se preferimos o destino profundamente rabugento do Vasco com garrafa de whiskye ao lado se os desmaselados trejeitos budistas da Maria. Os da geração de 60, a dos nossos pais e das nossas mães, enfrentam agora a incontornável sombra da morte, por mais que possam viver, excepcionalmente, mais uns 20 ou 30 anos. Por isso Vasco (o Valente) consegue ser lírico e falar da revolução desta geração «(a única e a verdadeira) e o extraordinário alívio e alegria que veio com ela. (...) A geração de 60 inventou o sexo. Num mundo de hard-core não se consegue provavelmente explicar, nem sequer invocar, o peso, a culpa, o mistério do sexo e como o sexo estreitava, torcia e coibia a vida da adolescência à morte. Se um novo homem nasceu, nasceu nessa altura. E principalmente uma nova mulher. Não existiam regras para esse território ignorado e ambíguo; e o que sucedeu nem sempre se distingue do egoísmo, da loiucura, do caos. De qualquer maneira, ficou a liberdade e um irrenunciável sentimento de soberania pessoal. O que não é pouco.»

Filhos e filhas desta geração acho que herdamos parte desta revolução (e sentimento de soberania pessoal) que em parte acompanhamos com olhos de criança, tal como os da geração da Sónia assistiram aos vendavais revolucionários com a mais parcial das inocências. O livro que mostra a nú esta geração é «A Noite e o Riso» do Nuno Bragança. A Maria Velho da Costa, que a certa altura com ele partilhou vida amorosa, é mais emblemática das contradições líricas da geração do Vasco (camarada). Sobretudo no não reeditado «Da Rosa Fixa» no qual nos inspiramos para o nosso Orquideias Atópicas.

Se formos honestas entendemos que os anos 60 e 70 foram o fim de muitas coisas e o nosso principio. As outras gerações já não podem sonhar com a abertura porque esta acabou por se revelar «existencialmente» (ó palavrão! ò cliché!) o «sufoco» das velocidades globalizantes.

Bismillah e a Bimbi


A Sónia e eu (ou a Sandra e eu) dividimo-nos entre o afecto por Bismillah e o apetite pela Bimbi. Ah, sim, a Bimbi, um maravilhoso brinquedo para as donas de casa que querem esmerar-se menos (ser dona de casa hoje é um luxo e uma tarefa perfeccionista!) ou para as supermulheres que apesar de supertrabalharem ainda supercozinham, mesmo sem serem sublimes no apuramento dos manjares. Bimbi, bambi, bambini! Somos todos bimbas? Querer ter uma Bimbi, por mais caro que seja este objecto, é mais legitimo do que ter um consolador. Satisfaz mais e deixa mais tempo para outros òcios. Inconvenientes: engorda.

Quanto a Bismillah, morreu enquanto estavamos na praia a ser remoídas por simpáticas ondas. Quando a Sónia era nova descobriu a música de Bismillah Khan num disco de duetos com o violinista V. Gogh (não sei se este é o nome, mas calha ser um Van Gogh indiano do violino). Há no som do Shenai (o instrumento de que Bismillah era o mestre incomparável) uma sensualidade matutina muito diferente do erotismo nocturno. O som é esganiçado como uma nasalização que sobe até ao topo da cabeça a querer saír pelo buraquinho do Sahasrara. Quando estivemos na Índia eu (Sónia) comprei um Shenai, mas não me dei com o instrumento (as palhetas de cana são divertidas). A Sandra prefere o som lento e esbranquiçado do Rudra Vina que arrasta serenamente para o Absoluto em glissandos em nada tímidos.

Saturday, August 12, 2006


Gostamos de coisas que se degradam. Somos ambas bio-degradáveis e é por isso que somos agradáveis. É certo que o «incriado» não se degrada, o que torna o «incriado» desagradável. Gostamos de sentir o cheiro das coisas. A que é que cheira o «Absoluto»? O cheiro é a vizinhança de uma simpatia. A simpatia quando se torna profunda é «ingénuamente» sexual, mesmo que seja a simpatia pela coisa mais inofensiva e doce, ou uma simpatia ébria pelo que está à nossa frente (uma paisagem, etc.) Umas raparigas simpáticas como nós estão disponíveis para a vida nos seus afazeres. Andamos a traduzir Shakespeare como quem faz festinhas a um gato. Traduzimos às vezes do ponto de vista da Ofélia, mas não desdenhamos a pérfida embriaguês da madame Macbeth. Também sabemos ser más durante breves segundos. Mas mesmo que sejamos más mantemos uma doçura (que pode muito bem ser canibal) de fundo. Big Girls Love to Cry. Somos assim: choronas porque nos acode uma alegria de fundo que vem das zonas mais brejeiras dos nossos corpos.

a banhos


De novo reunidas como que para sempre e lindas de morrer. O amor jorrando a rodos. Não queremos fazer parte das virgens do paraíso islâmico. Os homens têm pelos a mais, mesmo quando rapam os púbicos. A vida sem maquilhagem não é para nós porque o mundo é todo maquilhagem sobretudo quando não tem um macho dito demiurgo a passar pelo seu criador. Como vocês sabem a vida só se masculinizou demasiado tarde. Apesar de tudo temos simpatia pelos homens como uma variante excentrica, demasiado excentrica, da complexidade femenina. Nestes dias de calor passamos as tardes na banheira pintando as unhas, comendo azeitonas e bebendo vinho verde. É bem bom!