Monday, August 28, 2006

egoísmo retributivo


Dizia o Almada Negreiros que «o amigo é o egoísta máximo da retribuição mútua». A frase não é fácil e levanta questões. A mais difícil é a seguinte - há mesmo retribuições? Ou o que vai aí é transação, metamorfose, etc., num fluír indestinado. Acreditar em retribuições é imaginar que há uma ordem, dentro ou fora da amizade e do amor, e que essa ordem é a modos que proporcional, medindo afectos, redistribuindo os diversos pesos dos actos, regulando secretamente um pouco de tudo. Não sabemos se há tal ordem. Mas o estado distributivo de que fala Almada é algo espontâneo. É um tu cá tu lá efevrescente que extraí o prazer de cada um se mostrar máximamente inteiro. Essa experiência é dada a todos, mas é mais intensa na partilha dos fluxos criativos. E os mais fortes parece que vêm dos intestinos ainda mais do que do coração. O amor é supostamente um pouco mais acima da amizade e supõe um aparato carnal mesmo quando este não é usado. Os cépticos dirão, quase como o Almada, que o amor senão de si, é um perpétuo desencontro com o outro. Mas o encontro com os outros é mesmo esse desencontro. É nos desencontros que nos encontramos a nós e aos outros. E pelos mesmos motivos uma relação é um amealhar de desencontros e desentendimentos - uns felizes e outros muito nem por isso. O problema é que a efeverescencia amorosa nos puxa para o absoluto e muitas vezes para a morte, para uma espécie de fusão abismal que distingue o amor da coexistência menos atribulado com os amigos. E é aí que o equívoco se torna tão doloroso quanto excitante. E se não tivermos esperanças cor-de-rosa e outros idealismos de cabeceira que propagandeiam o amor podemos disfrutar desses momentos ácidos sem andar para aí em trolitadas inuteis o tempo todo. Não é queridas e queridos?

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