Thursday, August 09, 2007

vimo-nos gregas


a grécia serve para ensaiar distancias e próximidades, respeitos e desrespeitos, falsas sabedorias e paraísos desfeitos


a grécia nesta lingua que nos inscreve foi no século passado feminina, com as traduções gregas e romanas da Maria Helena da Rocha Pereira e o caso poético Sophia


é certo que esta grécia acertada foi procedida pela grécia homossexuada do Botto e pelas grécias dos heterónimos ditos Pessoa, onde acedemos quer ao epicurista Reis, ao dionisista Campos, ao Sofista pseudo-naif Caeiro e ao neo-platonista Fernando


a Sophia namora o Pessoa, como se o Pessoa não fosse mais grego que ela, isto é, menos antigo, menos intacto, mais exacto, menos católico, menos clichê de estátua grega e anfora, ele que escreveu em inglês sobre a nudez das estátuas gregas e que falou veladamente desta Grécia encalhada, como o foi quase sempre a Grécia, disfarçada de uma espécie de país que se ancora em metáforas vagamente purificadoras


apesar e por causa do cal, das anforas, das velhas mulheres vestidas de negro, das frescas especiarias, das praias de brancas areias e àguas supostamente cristalinas há algo de ostensivamente higienista em Sophia, de dona de casa que quer que a criada limpe bem tudinho até que não fique mácula nenhuma e acabamos por perceber nesta vigilância da criadagem não muito distinta dessa outra vigilância de outra mulher nortenha (a Agustina) que o horror ao sujo é uma condição trágica - «eis aqui o país da imanência sem mácula» - é certo que o país viva num outro género de registo e higíene que é uma mácula maior a que os gregos chamavam hamartia, mas os gregos são sujos até na sua exactidão e são muito sujos e malcheirosos aquando das hecatombes, quando se purificam para os deuses e se banham, sem frívolidade, nos sangues dos bichos


a grécia de Sophia é arrumada, burguesa, pretenciosamente turistica, mas de um turismo como já não há, quando as praias mediterranicas eram deveras pitorescas e permaneciam com o ar de serem para marinheiros que partiam enquanto a morte os não levava - é uma grécia vista com olhos nórdicos, como os de Holderlin em busca de uma grécia mais ideal e tragicamente perturbante - os nomes dos deuses das ilhas dos poetas e dramaturgos são de efeito incontornável


a sua arte poética é a da consumidora de quem anda em busca de um artesanato autêntico - a loja dos barros é heideggariana nas anforas que se podem levar para casa e torná-las companhia «mortal da eternidade» - compara a poética a um artesanato: «o artesanato das artes poéticas nasce da própria poesia à qual está consubstancialmente unida.» (?) - há uma profundeza que não lhe encontramos e um rigor obstinadamente reivindicado - apesar disto há alguns versos belos, sinceros, esteticistas, de boa-vontade católica


queixamo-nos de Sophia porque não nos recompusemos dessas histórias muito pouco gregas, de pesado remoroso, de catolicismo apoquentado que são os seus contos para crianças - a Menina do Mar, a Fada Oriana, o Rapaz de Bronze - coisas tristes que mais entristecem a consciência das crianças - a nudez dos éfebos não nos fez mais nuas - é certo que o nudismo é um miro grego, das Gymnopédies à história do nu do sr. Clark, passando pelo nudismo militante


não sei se foi por causa da Sophia, se da moda do nudismo nos meios oxfordianos, que vimos o M. S. Lourenço nú numa das ilhitas traseiras em frente de Cabanas de Tavira no verão de 1971 com os seus óculos redondinhos estilo John Lennon

No comments: