Tuesday, August 14, 2007

variações wittgensteinianas de Rosa Davida


PEQUENA SÚMULA DEPILATÓRIA,
OU VARIANTES QUE DÃO ADEQUADO TRATO
AO TRATADO DO SR. L. W.
POR ROSA DAVIDA

(escritos neste 14 de Agosto de 2007 em cima de uns guardanapos)



O mundo é um caso
O mundo é tudo o que m-amamos.
O mundo é o que se mama.
O mundo é tudo o que se casa.
O mundo é tudo o que vem à baila.
O mundo é a actualidade dos fa(c)tos e dos afectos.
O mundo é a transição das modas.
O mundo é a inclinação dos desejos.
O mundo é a transcrição meticulosa da coscovilhice.
As coisas são o como se amanham.
As coisas são as compras que fazemos e as inutilidades de que nos desfazemos.
O que vem à baila é a desarrumação das casas do mundo.
A arrumação/desarrumação é o que ajunta e afasta as coisas, e as torna apropriadas ou propícias.
O mais importante é sabermos em que sítio é que estão exactamente as coisas.
No arrumo da Casa do Mundo o lugar das coisas não é um lugar qualquer – cada disposição torna mais ou menos especial os restantes lugares que com esta se relacionam.
As coisas fora do seu sítio tornam o mundo desleixado.
A evidência do caixote-do-lixo torna muitas coisas dispensáveis (ou recicláveis).
As coisas servem para fazer coisas, para dar uma certa beleza ao que se passa na passerele do mundo, ou para nos entre-termos com elas.
Pensar em «todas as coisas» ( e ao mesmo tempo?) é um disparate que só ocorre a quem não pensa em todas as coisas como deve de sêr - «todas as coisas» é uma ideia indefenida para agrupar a partir do quanto (pouco) se sabe e tentar adivinhar «abstractamente», num golpe de bluff, o «resto».
Cada arrumação inclina-se para muitas possibilidades de outras arrumações.
Arrumo e asseio de linguagem fazem-nos mais entendiveis e comunicantes.
O asseio de linguagem faz parte de um asseio geral que torna tudo mais belo, apetecível e convivial.
Os casos são as ligações que decidem as coisas, mesmo quando são dúbios.
Um caso é o que põe em movimento de resolução a degradação das relações.
A aparência é um efeito do «realidade» e o principio da inveja.
A (boa) aparência devolve aos objectos a sua «bondade» potêncial.
As aparências tornam os diversos aspectos da realidade conectáveis (e colectáveis) – chegam assim às pessoas mais rigorosas/vigorosas.
As aparências implicam uma soma curcovilhante de suspeitas.
A veracidade ou falsidade das aparências não dá garantia de que algo seja difamável.
Uma aparência é um convite para «uma certa lógica».
A veracidade ou falsidade das aparências não dá garantias de que algo seja logo difamável.
Uma aparência é um convite para aprimorar uma lógica.
A veracidade das lógicas das aparências depende da veracidade das relações que nos são facultadas.
A conversa (interna/externa) sobre a aparência lógica das relações é o pensamento.
Aos conjuntos de pensamentos que imbrincando uns nos outros nos dão a sensação de que algo é verdadeiro chamamos mundaneidade.
Nem tudo o que pensamos é consequente ou possível.
Podemos pensar coisas muito «ilógicas» (como os temas mitológicos) mas não lhe damos uma atenção prática por aí além.
Um pensamento correcto deve ter em conta não só a necessidade de o exprimir como os incómodos ou prazeres que possa provocar.
A ambiguidade das palavras pode gerar equívocos filosóficos quando se usa uma lógica pobre, mas faz riquíssimas insinuações se usarmos uma lógica enriquecida.
As confusões que surgem fazem parte do adiamento do desfecho do drama – o interesse dos fa(c)tos deve-se a um bom tratamento telenoveleiro.
Quase todas as observações acabam por dizer algo de si próprias, tal como a roupa que vestimos índicia comportamentos e apetências.
O pensamento é um conjunto de observações pertinentes que nos dão dicas (cartografáveis) para nos orientarmos na vida.
O que torna essas dicas pertinentes é o uso da linguagem e os comportamentos adjacentes.
As linguagens que construímos são estratégias de arrumação das coisas através de redes hierarquizanteas de palavras.
Uma insinuação é um ataque à estabilidade da aparência da «realidade».
Temos, regra geral, mais em conta os nossos convictos modos de arrumação do que os de qualquer amiga ou vizinha.
Uma construção lógica leva-nos com mais entusiasmo a onde já estavamos determinadas a ir.
Uma insinuação comunica mais sentidos do que aqueles que pusemos nela.
Uma insinuação propõe a existência dissimulada de «outras aparências das coisas».
A tarefa da filosofia é a da depilar a verdade antes desta se mostrar nua.
O impensável é o que é impossível de pensar, mas o «impensável», segundo o muso comum, é o que mais acontece.
Há coisas que não sabemos expressar e para as quais algo chamado intuição parece acenar – é o «intrigante» indizível.
Tudo o que é pensável pode ser feito com simplicidade e limpeza, por isso muita porcaria e complicação hão-de vir ao cimo.
O que acaba por ser demonstrado é frequentemente o que se andava a dizer pela calada.
Uma proposição é o que dá conta de uma série de propósitos e de alguns despropósitos.
Um nexo de causas é uma suspeita que se adensa.
O livre arbítrio é a liberdade que gozamos cá com os nossos botões de nos dizermos o que quisermos e de imaginarmos o que desejamos.
A fatalidade é o saldo para os outros de uma vida no preciso momento que vamos desta para melhor.
Uma tautologia é o que nos repetimos para nos convencermos de uma certa coisa com argumentos cada vez mais refinados.
A filosofia é uma psicologia minimalista com o preconceito de ser psicologia e que dá um ar de tratar soberanamente da arrumação definitiva do mundo.
A filosofia parece que anda a des-implicar as criaturas dos seus pensamentos mais humanos (dos arrumos e desarrumos da «existência») substituindo-os por implicações aparentemente menos singulares e mais vastas.
Uma suposição é o resultado de muita coisa que se foi dando conta.
Sabemos que o sol nascerá amanhã, estejemos vivas ou mortas, ainda que alguma lógica nos tente convencer do contrário. É o triunfo impiedoso do senso comum.
Existem mais necessidades metamórficas do que lógicas – as coisas estão em metamorfose permanente e a lógica tenta fintar o metamórfico depurando-o de todas as suas inclinações e postulando alguma essência aqui e acolá.
O mundo está dependente de muitas vontades ao mesmo tempo.
A cada morte o mundo passa a ser uma disputada herança.
Há proposições cujo efeito é bem mais devastador do que outras.
O sentido do mundo acompanha-nos sempre no mundo – se o sentido estivesse fora do mundo, o mundo seria destituído de sentido.
Um sentido é sempre na imanência – só é sentido o que se sente.
Caso haja algo parecido com divindade esta só pode ser a consciência na imanência.
A nossa vida é tão variada que o infinito só nela tem sentido como uma metáfora derivada de jogos matemáticos.
O enigma persiste como uma pergunta que ainda não está bem formulada.
A questão que se coloca é se podemos formular mesmo «bem» uma adequada pergunta alguma vez.
O enigma é apenas o sentimento de inadequação e de in-formulado.
O cepticismo é a honesta desconfiança quanto a um diagnóstico sempre certeiro baseado em lógicas ou filosofias.
O cepticismo é um diagnóstico reservado e cauteloso.
Sobre o que ignoramos nada podemos asseverar.
Sobre o que deviamos estar caladas apetece-nos fazer insinuações.

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