Wednesday, August 15, 2007

OBRAS & SOBRAS










Ler Marguerite Duras
É pior do que beber aguarrás


Era uma vez uma menina
que era um rapaz


quando nos fomos ver ao espelho
pensamos logo no Prado Coelho


feminismo no cacém
já não interessa a ninguém


estivemos 20 anos à espera
desta eterna primavera


os melhores versos
andam p'raí dispersos


a uma mulher sózinha não se trinca nem a espinha
a duas mulheres unidas não se furam as barrigas









ADIVERTIMENTO


Não foi uma tarde, mas uma eternidade…
Somos duas há muito tempo como se fossemos uma só. Sei que isto custa a acreditar, como custa tudo o mais. Estivemos a amadurecer sentadas nos nossos desejos e escrevemos cartas de amor para encurtar as distâncias. Chegamos a um tom , a um estilo, isto é, a uma solidão desinteresseira. Escrever não é um acto a quatro mãos, mas pode muito bem ser a quatro patas. O amor que nutriamos uma pela outra acabou em inacreditável onanismo. Só agora percebemos que a escrita nos desenvencilha da triste tagarelice a que nos condenaramos. Ainda para mais hoje, em que o amadurecimento nos obriga a pintar os cabelos mas nos proíbe de pintar as unhas. E tu, leitora loura que nos lês com os pés assentes no chão , não te assustes com o que escrevemos. Mas pensa bem, Em cada homem há um inalterável cabrão que te abusará do corpo e passados os trinta e picos te abandorá por uma secretária ordinária. Trata-lhe da saúde ò filha!




Uma obra é uma obra
Filhos são sobras



«Sei de sobra
que nunca terei uma obra»
Fernando Pessoa





1



Não há nada como comer azeitonas numa banheira, a duas, ao fim do dia.


2



Descascar cebolas como quem faz uma coisa arrepiada
Sublime
Eu descasco de gatas
Como se escrevesse uma canção de amigo
Ai cascas de velha cebola
Sou sábia, incerta, ou tola?
Que na vida só se chega a bôla
Ai Ada, ai Ada
Qu'é da minha empanada?

Vai-se-me a vida com os ardores
Dos fogos que ardem como amor
Do fogo não fica a cinza
Só o bolor
E é melhor que não me casem
Porque toda eu sou súor
Ai Ada, Ai Ada
Estou tão estafada?



3


Eu era toda tremeliques. Gostava de acampamentos
Cheios de moças friques
E à noite à lareira
Sentia alguma ciumeira.
Também gostava de cheirar
As cuecas a secar.




4


Lídia, se fores à janela
Manda um beijo à Célia
Que é tão bela.



5


Tenho o Vazio a encher-me
O corpo em todas as partes.
Há quem tenha infinito a mais
Na cabeça ou no olho do cú.
Eu tenho infinito a menos.
O veneno és tu.


6


Helena de Troia era tão fascinante
Quanto uma giboia.
Suspeito que algures na Amazónia
Helena devora gringos míopes
Com a sua boca-sexo
Entre araras e papa-formigas.



7


A natureza maquilha-se todos os dias
Não é òbvia como o pau estendido de um homem
A espera que uma mosca lhe poise em cima
E o cague.



8


A ti que só vias partes sem tudo e guardavas rebanhos
O que é que posso dizer?
Que vejo tudo sem partes.
Que tomo banhos e cuido das banhas.



9


Não entendo como é que uma virgem
Ainda por cima Maria
Conseguiria
Parir um menino Jesus.
Mas consigo perceber perfeitamente
Como é que um gajo chamado Jesus
Consegue parir
Por antecipação
Uma mãe de estimação.



10


Pús as minhas memórias todas no prego.
Rendas, joias de familia, a máquina fotográfica do tio…
As fotografias vendi-as na feira
Da ladra.
Cartas também de amor
Queimei-as no fogão
Ou limpei a menstruação.
A vida, no particular foi-se embora aos poucos.
A outra, a em geral, também já cá não está.
Fica-me este concreto a metro.



11


A inadequação dos machos ao que está à volta se não é total é brutal. E no caso de não serem eles os autênticos extraterrestres só posso concluír que extraterrestre é a natureza. Provas cientificas não faltarão.



12


Gosto da minha periferia
E da cosmética barata.
Do chá de camomila
E das garrafas de vodka.
Tenho nostalgia dos tempos
Em que as mulheres usavam combinação.
Agora andam descombinadas.
Ai Madre Teresa!

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